Quando a Montanha Dobrou o Vento
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Quando a Montanha Dobrou o Vento

Na encosta de uma pequena aldeia montanhosa, onde as pedras guardavam histórias e o ar cheirava a pinho e lenha, vivia Ana, uma jovem mãe, com seus dois filhos, Miguel e Clara. Eles riam com a pureza de quem descobre o mundo, e, ao cair da tarde, recolhiam água do poço e contavam estrelas. No alto, morava Simeão, um velho sábio; seus passos eram lentos, mas sua palavra era firme, e sempre descia para repartir conselhos como quem oferece pão em manhã fria.

Num final de tarde, vendo o cansaço nos olhos de Ana, Simeão lhe disse: A montanha é rocha, mas aprende com o vento. E, tirando do bolso três fios de lã, trançou-os diante das crianças: Separados, quebram; unidos, suportam o balde do poço e o peso da água. Ana sorriu, grata, mas hesitou; temia que pedir ajuda a fizesse parecer fraca, como tantos que confundem coragem com silêncio e acabam lutando sozinhos contra tempestades invisíveis.

Nos dias seguintes, o céu mudou de rosto. Nuvens escuras se amontoaram além dos picos, e os sinos da capela soaram longos, como aviso. Simeão voltou e disse a Ana: Prepara tua casa por dentro; a madeira se fortalece quando as vigas se apoiam umas nas outras, e o coração se sustenta quando mãos se entrelaçam. A jovem mãe respirou fundo, chamou Miguel e Clara, e juntos recolheram lenha, reforçaram as janelas e separaram mantas, tentando aprender a ser equipe no cotidiano.

A tempestade caiu com fúria. O vento urrava nos beirais, a chuva batia como pedra, e o rio da aldeia se agitava. Dentro da casa, Miguel segurava a porta com um bastão, Clara vedava as frestas com trapos secos, e Ana guiava os movimentos, lembrando as palavras do sábio. Diante de uma pequena cruz de madeira, fizeram uma breve oração; e, enquanto o telhado rangia, prometeram uns aos outros não soltar as mãos. O medo estava ali, mas o amor, mais teimoso, permaneceu.

Quando a noite pareceu não ter fim, a família inventou luz com pequenos gestos: Miguel contava histórias, Clara cantarolava, Ana assentava o coração dos dois como quem embala. Em dado momento, a água invadiu a cozinha; então, unidos por uma corda, moveram os poucos móveis para o alto e improvisaram barreiras com sacos de grãos, cada gesto respondendo ao gesto do outro, como passos de uma mesma dança. Do lado de fora, o mundo rugia; dentro, crescia uma paz aprendida.

Com o amanhecer, as nuvens se desfizeram e o silêncio voltou pesado. A casa resistira, com marcas, como todas as casas que amam. Simeão chegou, sorriu e disse: Vocês foram telhado e viga, oração e trabalho. Deus soprou força em vocês porque vocês sopraram cuidado uns nos outros. Ana compreendeu, então, que a verdadeira fortaleza não é dureza isolada, mas ternura decidida que se apoia e se oferece, como pedras que se ajustam para sustentar a ponte.

Assim, naquela aldeia, ficou a lição que não se apaga com o vento: uma casa se levanta no dia em que os seus decidem ser um só coração; a fé que se reza e se vive na partilha faz do amor um abrigo maior que a tempestade. Ao final, Ana ensinou aos filhos a trança de três fios; e, a cada nova tarde, lembravam que o medo perde voz onde a união ganha mãos, e que toda montanha aprende, no tempo de Deus, a dobrar o vento.

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