Dizem os antigos cronistas que o palácio ergue-se como uma harpa de pedra onde o vento toca acordes de glória e vaidade. Seus salões, dourados como o sol de inverno, guardam vitórias, pactos e banquetes, mas também a silenciosa pergunta que reina sobre todo poder: e depois? Naquela manhã, Clara, uma jovem aspirante a artista, cruzou o pátio interno como quem atravessa um espelho. Buscava a centelha que lhe faltava para pintar mais do que semblantes; buscava compreender o eco por trás do aplauso. Ao seu lado caminhava Miguel, filósofo em formação, olhar atento, palavras afiadas como cinzel, sempre pronto a interrogar a textura do mundo. Ele não se impressionava com o brilho das cúpulas; pressentia, sob as lâminas de ouro, a inquietação de quem teve tudo, mas ainda aguardava por um Nome que aquietasse o coração.
O guia os conduziu pela Galeria dos Retratos, onde reis e mecenas pousavam eternamente o mesmo gesto. Clara, sensível às cores, observou que os olhos pintados não sorriam, como se aguardassem uma visita que ainda não chegara. Miguel murmurou: Se o rosto de um reino é feito de vitórias, por que parece faltar-lhe o descanso?
No fim da ala, uma porta estreita conduzia à Sala do Silêncio. Ali, sobre uma mesa de nogueira, repousava a antiguidade desconhecida que os monges-curadores chamavam de A Esfera do Destino. Era uma peça de cristal e bronze, com nervuras como veias do tempo. Não prometia adivinhações; prometia perguntas. No aro de metal, uma inscrição em latim, gasta pelo toque de séculos, insinuava-se como oração: Tempus donum est; eliges amare — o tempo é dom; escolherás amar.
Clara aproximou-se e viu no vidro não a sua figura, mas os contornos trêmulos de pessoas que havia apenas cumprimentado e logo esquecido: a vizinha idosa, o colega tímido, a criança que um dia pediu ajuda com as tintas. Miguel, acostumado a conceitos, tentou explicar, mas a própria razão se curvou ao espanto humilde. Ao fundo, além da janela, a capela do palácio deixava entrar uma luz que atravessava a Esfera e pousava em um pequeno crucifixo, projetando no teto uma cruz desenhada em reflexos. O silêncio fez-se oração, e, sem combinar, ambos pronunciaram a antiga súplica dos santos: Mostra-nos, Senhor, o peso da glória que não passa.
Então, como quem recebe uma visita de outro tempo, Clara recordou a crônica de uma princesa que abandonou festas para lavar os pés dos pobres na cozinha do palácio; Miguel relembrou Agostinho, cuja inquietação só encontrou casa em Deus. Era como se a Esfera lhes devolvesse, não o futuro, mas a estatura de cada escolha diante da eternidade.
Onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração.(Mt 6,21)
O clímax veio sem trombetas. Miguel, até então colecionador de certezas, percebeu em si a tentação de transformar a busca da verdade em palco para a própria vaidade. Olhou a Esfera e perguntou, com simplicidade rara: Se eu vencer debates e perder a caridade, que vencerei de fato?
Clara, por sua vez, viu a própria sede de reconhecimento espelhada como uma moldura vazia. Compreendeu que a arte que não se curva ao serviço torna-se ornamento caro em salas que apagam a fome. Tomou a Esfera nas mãos e sentiu o frio do cristal aquecer-se, não por milagre sensacional, mas porque a decisão já amadurecia: pintar rostos comuns, dar cor à esperança esmaecida, fazer da beleza um convite ao Bem. Miguel, tocado pela mesma claridade, decidiu que filosofar é amar a Verdade servindo pessoas concretas, a começar pelos esquecidos nos arredores da cidade. A Esfera havia lhes mostrado caminhos possíveis, mas deixava claro, com a mansidão de Deus, que a liberdade é altar e responsabilidade.
Saíram para o pátio quando as sombras da tarde alongavam os mármores. O palácio, mestre severo, parecia ter concedido sua melhor aula: o ouro cala quando a misericórdia fala. Antes de partir, entraram na capela e, aos pés do sacrário, colocaram em silêncio os seus projetos. Clara ofereceu seus pincéis; Miguel, seus livros. Sentiram que a história dos santos — tantas vezes escrita em corredores discretos e cozinhas escondidas — passava agora por suas próprias mãos. Não ouviram vozes, mas a paz tinha a gravidade de uma promessa. E compreenderam a lição que o palácio, a Esfera e o Evangelho repetiam em uníssono: a verdadeira felicidade não cabe em cofres nem na vitrine do aplauso, mas floresce onde as escolhas se tornam dom, onde o tempo é semeado em relacionamentos, serviço e amor.
Quando deixaram o palácio, não buscaram a porta principal, mas a saída dos servos. Era um detalhe pequeno, mas marcava um rumo. Clara começaria uma série de quadros intitulada Rostos que Ficam, vendendo-os para sustentar um ateliê comunitário; Miguel abriria círculos de estudo na praça, onde pensar seria também repartir pão. A Esfera do Destino permanecia sobre a mesa de nogueira, quieta como um relógio sem ponteiros, lembrando a cada visitante que o mais alto trono é um coração disponível. E se algum cronista do futuro vier a escrever suas vidas, talvez diga, em estilo hagiográfico, que dois jovens aprenderam naquele dia a ciência dos santos: escolher, a cada manhã, o que não passa.
Assim, o palácio cumpriu sua missão de parábola. Seus salões, outrora vitrine de grandeza, tornaram-se espelho de humildade. E a moral, clara como a luz que atravessa o cristal, permanece para quem quiser ouvir: a essência não está no ouro que brilha de fora, mas no amor que arde por dentro; o sentido nasce quando nossas obras se tornam oração e nossas relações, sacrário.



