Na fazenda, o dia começa antes do sol aceitar nascer por completo. O galo canta duas vezes, o vento baixa das mangueiras como quem sopra poeira dos pensamentos, e os passos dos animais riscam no chão trilhas antigas. Ali, entre cercas de arame e a horta recém-revirada, viviam Clara, Lucas e Pedro: três irmãos e um mesmo calendário marcado pelos sinais da terra. Clara, menina de olhos inquisitivos, queria entender tudo; Lucas, paciente como a água que não disputa caminho com a pedra, ensinava mais com silêncio do que com palavras; Pedro, com pressa no peito, tecia impaciências como quem busca atalhos no mato ainda molhado de orvalho.
Foi numa manhã de agosto que plantaram juntos o feijão e o milho. Lucas mostrou a distância certa entre as sementes, o cuidado de cobrir sem apertar demais, e disse, com o tom de quem partilha um segredo simples: O que semeamos não é só planta; é confiança.
Clara escutava e perguntava por que a semente preferia a sombra antes do sol pleno, por que a terra precisava de descanso. Pedro, calçando rápido as botas, queria saber quando veriam as primeiras folhas. Não dá para pular para a parte do feijão subir no mourão?
, insistiu, como se a história pudesse saltar capítulos sem perder o sentido.
Nessa mesma semana, a avó ensinou-os a recitar o Ângelus ao meio-dia. As badaladas do relógio de parede lembravam, no meio do barulho das galinhas e do ronco distante do trator, que existe um tempo de Deus atravessando o tempo da roça. Lucas, que guardava versículos na memória como quem guarda sementes no bolso, repetiu baixinho, e Clara quis escrever no caderno de capa azul. Pedro ouviu, inquieto, como quem mede o horizonte com régua curta.
“Para tudo há um tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu.” (Ecl 3,1)
Os dias passaram, e as primeiras pontinhas verdes romperam a terra. Clara se agachou para ver melhor, Lucas colocou estacas leves para proteger os brotos, e Pedro roeu o silêncio. As folhas pareciam pequenas demais, lentas demais. Depois de um meio-dia abrasador, quando o curral pedia sombra e a água do reservatório descia medida, Pedro decidiu ajudar o tempo. Abriu o registro da caixa d’água com força, deixou a horta beber como se sede fosse sempre urgência, e puxou, com dois dedos curiosos e apressados, um broto de feijão para “ver se estava crescendo por baixo”. A raiz veio esgarçada, pálida, como segredo arrancado antes da hora. A enxurrada alagou os canteiros, a lama avançou até o galinheiro, e a água que faltou nos bebedouros fez o gado mugir de impaciência. Na Fazenda, as escolhas de um derramam consequências em todos.
Clara chegou correndo, com as botas pequenas enterrando o barro. Lucas veio logo atrás, não com bronca, mas com aquela gravidade branda que os velhos têm quando olham para o céu para medir se a chuva vem. Fechou o registro, redirecionou a água para os bebedouros, ajudou a escorar as galinhas assustadas, e só então olhou para a mão de Pedro, que tremia com o broto morto. Eu só queria que crescesse logo
, disse o menino, com um fio de voz. Lucas tocou o ombro do irmão e respondeu: Tem coisas que não vivem bem sob pressão. A semente precisa de tempo, como nós precisamos de Deus
.
Nessa tarde, replantaram juntos. Clara anotou no caderno: “Feijão novo, água mansa.” Lucas trouxe palhada para proteger a terra e explicou a Pedro que a paciência não é inércia, é cuidado no ritmo certo: regar sem afogar, esperar sem abandonar, vigiar sem arrancar. Ao entardecer, quando as sombras alongaram as cercas e o cheiro de capim cortado subiu, eles rezaram uma dezena do terço. Cada Ave-Maria foi uma alça no tempo, um gesto pequeno e repetido que, de tão humilde, aprende a andar no compasso do Altíssimo. Pedro, ainda envergonhado, segurou as contas como quem segura o cabo de uma enxada: com firmeza e respeito.
Nos dias seguintes, Pedro se aproximou da horta de outro modo. Em vez de apressar, vigiava; em vez de mexer para “ver como estava”, reparava o que o sol e o vento diziam. Pôs a mão na testa para medir o calor do meio-dia, esperou as primeiras nuvens de setembro. Quando a chuva finalmente chegou, não foi espetáculo: foi resposta. As gotas batiam nas folhas com uma música que só se ouve quando a pressa cala. Clara sorriu como quem descobre uma palavra nova; Lucas, em silêncio, deu de comer às galinhas; e Pedro, olhando o verde se firmar, entendeu sem discurso: a esperança precisa de raízes, e raízes não se formam sob gritos.
Depois, colheu-se menos do que se teria colhido, é verdade; a pressa cobra seus impostos. Mas foi nessa falta que Pedro percebeu a abundância do que se aprende quando não se consegue apressar a vida. Pediu perdão, que é outra forma de regar o coração, e ajudou a anotar os turnos de água, a cuidar do reservatório, a dividir a sombra com o bezerro mais tímido. No domingo, diante do Evangelho, ouviu a parábola do semeador com ouvidos novos. Entendeu que a paciência é irmã da fé, e que, como São José no silêncio de Nazaré, quem confia trabalha e espera.
Na fazenda, as coisas boas insistem em lembrar que não se rompem casulos com facas, não se tira do forno pão antes do cheiro dizer basta, não se apressa o feijão a subir. A lição ficou escrita nas águas e nos canteiros: a paciência não é simplesmente esperar, é amar o tempo que Deus dá e cuidar dele como quem cuida de uma semente. E, quando o coração cede ao ritmo manso da roça, a colheita, cedo ou tarde, encontra o caminho de casa.



