O Sopro que Aprende a Descansar
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O Sopro que Aprende a Descansar

Na encosta alta onde a montanha toca as nuvens, ergue-se um mosteiro antigo, de pedras trabalhadas pelo tempo e pelo frio. Ali, Irmão Lucas caminhava com passos contidos, como quem teme quebrar o silêncio com o próprio coração. O Vento da Montanha, presença sutil que corria pelos claustros, parecia sussurrar ao seu redor, tocando portas, fiando pensamentos. A cada oração, ele desejava ser perfeito; a cada falha, sentia o peso de um céu fechado. O vento, inquieto, roçava-lhe a fronte como ideias que não cessam, e o jovem se confundia com o seu burburinho.

Pressionado pelo ideal de santidade, Lucas contava as respiradas, alinhava os horários, polia a consciência até fazê-la ranger. Entretanto, quanto mais se apertava por dentro, mais o Vento da Montanha rodopiava, reproduzindo perguntas em seu ouvido: e se eu não for digno, e se eu errar, e se todos perceberem? Na biblioteca, ao copiar um salmo, a tinta tremia na pena; no coro, os versos perdiam compasso porque o coração corria na frente. O vento, como criança teimosa, batia janelas em seu peito, e a esperança parecia uma vela que fumega sem chama.

O Abade Tomás, cuja barba guardava o branco das primeiras neves, notou a pressa invisível do jovem e convidou-o ao terraço. A paisagem abria-se como um altar, e o Vento da Montanha passava pelos sinos, arrancando deles uma nota clara. O abade ergueu o olhar e disse com mansidão, como quem toca uma ferida sem feri-la: Quando o vento encontra espaço e direção, nasce música; quando encontra portas trancadas, vira ruído e queda. Não o expulses à força, nem te tornes escravo dele. Deixa-o atravessar-te, e que Deus seja a tua direção. Lucas assentiu com respeito, mas, por dentro, temeu não ser capaz de aprender esse cântico.

Na véspera de uma cerimônia importante no mosteiro, quando todos preparavam o coro e a nave cheirava a cera e incenso, a ansiedade em Lucas ergueu-se como uma tempestade repentina. O Vento da Montanha soprou mais forte, levando consigo mil imagens de fracasso, e ele sentiu que tudo podia desmoronar. As mãos gelaram, a visão apertou-se num túnel, e o peito pesou como pedra. Temendo cair diante de todos, ele saiu correndo para o pátio interno, onde o vento rodopiava folhas secas, como se sua mente fosse um claustro cheio de portas batendo sem descanso.

O Abade Tomás o encontrou encostado numa coluna e ficou ali, ao lado, respirando junto, sem pressa. O vento assobiava, mas a voz do abade era firme e macia: Filho, o vento não é pecado; é só vento. Assente-se com ele, não contra. Colocou a mão de Lucas sobre o próprio peito e ensinou um compasso: inspirar, dizer em silêncio, em i, Em ti confio, e expirar, em i, Recebo teu amor. Após alguns minutos, acrescentou: Não escondas tua fragilidade de Deus. Apresenta-a. A graça não procura estufos, procura corações verdadeiros. E o vento, ainda presente, já não parecia um inimigo, mas um mensageiro cansado que precisava de caminho.

Quando o sino chamou à cerimônia, Lucas voltou ao coro. O Vento da Montanha entrou pelas frestas, brincou com a chama das velas, mas encontrou, dentro dele, janelas abertas e uma âncora. Ele não ficou livre do vento; ficou livre de lutar contra si mesmo. Cantou com voz humilde, e cada nota era um passo dado sobre as águas agitadas, não por força própria, mas por confiança. Se o pensamento acelerava, ele permitia que passasse como nuvem, voltando ao Nome e ao respirar. Naquele fim de tarde, descobriu que a paz não é um céu sem vento, e sim o repouso de quem se sabe levado por mãos maiores que o medo.

Mais tarde, sentado no claustro, Lucas compreendeu a lição escondida no sussurro da montanha: o valor de um coração não é medido pela ausência de tremores, mas pela coragem de se apresentar a Deus exatamente como é. O Vento da Montanha seguiria a soprar pensamentos e hipóteses, mas ele já não os tomaria como identidade. Em vez de se chamar ansiedade, passou a se chamar discípulo. E, quando o vento o visitava, ele respondia com oração simples e honesta, deixando que a graça transformasse ruído em canto.

Moral da parábola: A paz não nasce de calar o vento, mas de ancorar o coração em Deus, acolhendo a própria vulnerabilidade com fé. A ansiedade pode soprar alto, mas não define o valor de quem confia e caminha.

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