O Pão e a Bússola
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O Pão e a Bússola

Numa sexta-feira, às três e meia da manhã, o telefone vibra como sirene: o hospital precisa de seiscentos pães extras para a enfermaria. No mesmo minuto, a masseira principal estala e para, braços de ferro imóveis. O relógio corre. Marcos sugere atalhos — hidratar demais a massa, abreviar o descanso, misturar sobras. Jorge balança a cabeça, pragmático. Lia argumenta que adulterar o pão fere a confiança de quem precisa de força e consolo. O clímax se forma como uma onda: entre a tentação de fraudar para entregar e a coragem de atrasar para ser justo, o coração de Antônio pesa mais do que os sacos de farinha.

Antônio respira fundo e propõe um minuto de silêncio junto à bancada. Não há espetáculo, apenas sinceridade. Ele reza baixinho e convida, sem impor; cada um se coloca como pode. Decidem então não trair a receita nem o cliente. Reorganizam o chão de fábrica, dividem tarefas, chamam o dono do café vizinho e um motoboy que já foi padeiro. Amassem a mão, braços ardendo, ombros em chamas, suor caindo como sal. Jorge, cético, descobre a música das mãos no ritmo da massa e a ciência por trás do descanso correto. O som das batidas vira coro e, enquanto a noite alonga-se, a esperança também cresce, como fermento que age em silêncio.

Quando o sol toca as janelas embaçadas, as esteiras exibem fileiras de pães com casca viva e miolo aberto. A entrega chega no horário, o aroma visita corredores do hospital e faz olhos cansados sorrirem. Marcos fica à porta, esperando o veredito do cliente que volta agradecido. Ele pergunta, curioso, qual foi o truque. Antônio responde que não houve truque, houve bússola — fé para orientar escolhas, técnica para executá-las e coragem para assumir o custo. Marcos, que mediu a madrugada em planilhas, mede agora o silêncio que o convida a rever prioridades, e concorda com um aceno.

Na semana seguinte, antes de ligar os fornos, o time reserva um momento breve: cada qual conforme sua consciência, uns com um sinal discreto, outros com um minuto de recolhimento. No quadro de avisos, Lia desenha São José Operário ao lado de uma balança, lembrando que trabalhar com justiça é a primeira caridade do ofício. Jorge anota um novo procedimento manual para contingências. E todos guardam a lição que não cabe apenas na produção. Lição moral: no ambiente de trabalho, a fé não é atalho nem desculpa; é bússola que aponta para a honestidade, para o cuidado com as pessoas e para a excelência que honra a Deus e ao próximo.

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