O Mirante das Pontes Invisíveis
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O Mirante das Pontes Invisíveis

No alto do mirante, a cidade parecia um mapa aberto: telhados como mosaicos, ruas como linhas de mão, o rio riscando uma fronteira móvel. O vento trazia cheiro de pão e de fumaça, e também murmúrios de oração. Daquela varanda de pedra, dava para ver feridas e belezas, como quem contempla o mundo com olhos lavados.

Lia encostou-se no parapeito, pequena e firme, abraçando o horizonte. Tomás, de sobrancelhas franzidas, contava as torres e as antenas, como quem mede distâncias. Zara, entre os dois, guardava silêncio atento, procurando fios que pudessem se transformar em pontes invisíveis.

— Aqui de cima, eu vejo que tudo cabe no mesmo desenho — disse Lia. — Se as casas cabem, as pessoas também podem caber. A paz é possível quando a gente aprende a olhar de longe e a cuidar de perto.

— Aqui de cima eu vejo as rachaduras — rebateu Tomás. — Vejo muros, lembranças que doem, interesses que não combinam. Como juntar o que não quer se juntar? Falar de paz parece bonito, mas o mundo é teimoso.

— O mirante não escolhe lados — respondeu Zara. — Ele oferece perspectiva. Talvez falte exatamente isso: aprender a ver inteiro, e depois descer para agir com paciência. Entre as mãos, cada um de nós carrega uma pedra e uma semente. Qual delas vamos lançar ao vale?

As nuvens correram como páginas viradas. Lia apanhou uma pedrinha caída da mureta e a comparou com uma semente de oliveira que trouxera no bolso. O peso de uma lembrava culpas antigas; a leveza da outra prometia tempo e cuidado. A brisa parecia soprar uma escolha.

— Se jogarmos só sementes, sem água e sem sol, nada muda — insistiu Tomás. — Paz sem justiça vira silêncio forçado. E silêncio imposto não dura.

— Então vamos regar com lágrimas que viram coragem e com o suor do serviço — disse Lia. — Paz não é esconder o que fere; é tratar a ferida, dia após dia.

— Justiça, verdade, misericórdia e perdão — completou Zara, devagar. — Quatro pontos de uma bússola que orienta os passos. O diálogo é a trilha. Se escutarmos, o diferente não vira ameaça, vira riqueza.

Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus. Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz, murmurou Zara, como quem acende uma lamparina no peito.

— Talvez a paz não seja um acordo perfeito, mas um caminho de passos pequenos — cedeu Tomás, com um meio sorriso. — Se eu começar por ouvir antes de responder, já tiro um tijolo do muro.

— E eu planto uma oliveira onde havia uma pedra — disse Lia. — O vale pode aprender com a nossa pequena decisão.

— Unidos na diversidade, não porque pensamos igual, mas porque escolhemos nos respeitar — concluiu Zara. — A ponte começa no ouvido e termina nas mãos que servem.

Desceram do mirante mais leves, bolsos sem pedras e dedos sujos de terra. Lá embaixo, nada mudou de imediato; ainda havia vozes ásperas e esquinas tensas. Mas, entre muros, surgiram portas. A lição ficou clara como o horizonte: a paz floresce quando escolhemos ver além de nós, praticar a justiça com misericórdia e acolher o diferente com respeito. No alto e no chão, a mesma verdade: a unidade na diversidade é caminho seguro, e cada gesto de escuta é uma ponte que cresce para ambos os lados.

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