O Celeiro que se Abriu ao Céu
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O Celeiro que se Abriu ao Céu

Na velha aldeia escondida entre colinas, vivia Mateus, um camponês de mãos calejadas e coração aberto. Ao amanhecer, ele saudava o campo como quem cumprimenta um amigo antigo, e a Natureza, personagem viva de sua história, respondia com sinais: a brisa penteava as espigas, o rio contava casos na sua margem, e a terra, morna, exalava um perfume de promessa. Perto dali, sob a figueira diante da pequena capela, o velho sábio Anselmo observava em silêncio, com olhos que já tinham colhido muitas estações e uma serenidade que parecia descer do crucifixo no altar.

Em dias de feiras ou de poda, Anselmo aconselhava Mateus com palavras que soavam como reza: Em tudo, dá graças. Dizia que a gratidão é semente que não se perde, mesmo quando ventos contrários varrem o campo. A Natureza confirmava, entrando na conversa como personagem: o solo murmurava sob os pés, Guarda aquilo que não vês: a paciência; o vento sussurrava ao ouvido, Aprende a dobrar sem quebrar; e o sol, ao romper as nuvens, parecia responder, A claridade volta para quem não fecha as janelas. Mateus escutava, recolhia as palavras como quem ajunta grãos, e seguia trabalhando com esperança.

Mas veio um tempo de perdas: granizo cortou a seara, a febre levou seu boi mais forte, o telhado gemeu com as goteiras, e, num descuido, um saco de sementes se extraviou. A aldeia murmurou lamentos, e Mateus sentiu um vazio como quem encontra o celeiro meio nu. Na soleira, a Natureza sentou-se como visita antiga: a chuva batucou nos caibros, o rio subiu o tom, e o vento passou os dedos nas frestas. Ele entrou na capela e ficou diante do altar, em silêncio que era quase gemido. Sob a luz vacilante da lamparina, rezou devagar, trazendo à memória o conselho do velho: agradecer, mesmo sem entender. E as paredes, impregnadas de salmos, pareciam devolver-lhe uma paz tímida.

Foi então, ao entardecer, que o clímax se desenhou como poente sobre o trigo abatido. Sentado à beira do campo, Mateus inclinou a cabeça e deixou que a dor respirasse. A Natureza aproximou-se, delicada: o vento enxugou-lhe o suor, a terra afrouxou o cheiro de pão, e um pássaro pousou no arado. No íntimo, uma voz mansa recordou: Em tudo, dá graças. Ele viu, de repente, as bênçãos invisíveis: o fôlego que voltava a cada manhã, o sorriso da esposa, as mãos dos vizinhos prontas para o mutirão, o sino da capela chamando pelo nome de todos, a pequena porção de sementes que havia sobrado, a própria dor que, como enxada, remexia o chão da alma. Com os olhos úmidos, sussurrou um obrigado a Deus, não pelo que passou, mas pelo que permaneceu e pelo que ainda nasceria do que se perdeu.

Transformado por dentro, Mateus abriu o celeiro e o coração. Dividiu o pão que tinha, trocou ferramentas, convocou amigos para erguer telhados e salvar o que restava das leiras. A gratidão, como fogo de lenha seca, pegou no povo: cada um trouxe um punhado de algo, e o pouco de todos tornou-se muito. Anselmo sorriu como quem reconhece a germinação, e a Natureza respondeu com sinais: uma chuva mansa, um amanhecer mais longo, brotos teimosos no talhão ferido. O que era perda virou escola; o que era solidão virou comunidade; e Mateus descobriu que agradecer não é fechar os olhos à dor, mas abrir as janelas para a luz que resiste.

Moral do apólogo: a gratidão não apaga as sombras, porém acende a lâmpada que guia o passo. Quem agradece enxerga a Providência no miúdo das coisas, aprende a semear mesmo com poucos grãos e a colher em conjunto. Assim, o coração torna-se celeiro de Deus: onde há reconhecimento do bem, o bem se multiplica e a comunidade se fortalece, porque toda bênção partilhada cresce como pão repartido.

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