O Balcão dos Encontros
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O Balcão dos Encontros

Na pequena loja de Dona Teresa, as prateleiras alinhadas pareciam naves de uma igreja cotidiana. O sininho da porta tocava como um convite ao ofício das horas; atrás do balcão, uma estampa de São Francisco, um ramo de oliveira seco num copo e um canto com pão e café para quem precisasse. Ali, a cidade entrava com pressa e saía mais leve.

Julião e Lúcia encontraram-se ao lado das cestas de pães. Ele, idealista, colecionava perguntas; ela, prática, colecionava gestos. A loja, com seus cheiros de erva-doce e tinta de caneta, era o lugar onde conversas simples ficavam grandes.

— Lúcia, eu ando querendo entender o que significa essa paz que não é só silêncio. Como é que se vive isso entre prateleiras e contas a pagar?

— Começa com o que cabe na mão, Julião: um pedido de perdão dito sem orgulho, um copo d’água oferecido sem pressa, um ouvido que escuta sem preparar resposta.

Um senhor do bairro discutia com uma jovem sobre a festa comunitária. Ele falava de tradição; ela, de prioridades para famílias sem teto. As palavras foram esquentando, e o balcão virou trincheira. Dona Teresa alisou o avental e rezou baixinho, como quem passa o dedo pelas contas de um rosário invisível.

Julião sentiu o coração dividir-se: tomar partido parecia justo; calar, confortável. Lembrou-se do olhar manso de São Francisco na estampa e do Evangelho que fala dos pacificadores. Seu dilema era escolher entre razão que separa e caridade que aproxima.

— Não precisa escolher um contra o outro — sussurrou Lúcia. — Escolhe um caminho que não humilhe ninguém.

— Seu Álvaro, Dona Marina, posso pedir um favor? Contem, um de cada vez, o que dói quando o outro fala. Quero entender, não vencer.

Ele trouxe dois copos d’água, apoiou-os como quem depõe armas. O senhor respirou, a jovem também. Entre frases, Julião devolvia as palavras em forma de ponte: então o senhor teme perder a memória do bairro; e você tem medo de que a memória apague quem sofre hoje. O tom baixou, o sininho tocou, e a loja pareceu mais larga.

Dona Teresa sorriu e, com um gesto simples, anotou no fiado de ambos um pão doce: “para lembrar que a tradição é repartir”. Naquele instante comum, o ícone no fundo pareceu mais iluminado, e ninguém soube dizer se foi o sol ou o coração.

— Lúcia, acho que eu entendi um começo — disse Julião, com um alívio que parecia oração.

— A gente não fabrica a paz como produto de prateleira — respondeu Lúcia. — A gente a cultiva por dentro e deixa que pequenos atos façam o resto, como peças de um dominó que só caem na direção do bem.

Se um coração se desarma, o mundo ganha um centímetro de horizonte. Que cada gesto seja semente no cotidiano: um copo d’água, um perdão, uma escuta. Assim, a loja do bairro se torna santuário, e a convivência, caminho aberto para todos.

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