O eco das portas pesadas da cadeia soou como um trovão abafado quando Sofia, 10 anos, e Miguel, 12, entraram acompanhando a pastoral carcerária. Ela apertava contra o peito O Livro de Fábulas, presente da avó; ele, de braços cruzados, media as sombras com cautela. “Não entendo por que vir aqui”, resmungou Miguel. Sofia respondeu baixinho: Talvez a esperança precise visitar os lugares onde ela parece faltar
.
Os corredores eram longos e o ar, denso. Trancas emperravam, a luz de emergência oscilava, um chamado distante assustava. O grupo foi conduzido por um desvio e precisou esperar numa sala estreita, ouvindo o metal bater no metal. Miguel suspirou: Se Deus está aqui, por que tudo parece trancado?
Sofia nada disse; fechou os olhos e rezou: Senhor, ensina-nos a ver. O livro, até então quieto, vibrou como se tivesse pulso.
Sem que ninguém o tocasse, O Livro de Fábulas abriu-se numa página amarelada. As letras brilharam, e ambos se aproximaram. O texto parecia falar com o corredor:
Um homem vivia preso havia anos. Em suas mãos, uma chave enferrujada; no coração, um rancor polido. Toda noite tentava a chave na fechadura, e ela rangia sem ceder. Certa vez, cansado, ouviu no pátio um canto e se lembrou do rosto de quem o feriu. Resolveu, sem testemunhas, perdoar. Na mesma hora, a chave virou como se fosse nova. Ao sair, percebeu: a grade estava no mesmo lugar; quem se abrira fora ele.
Miguel franziu a testa: Bonita história… mas e a justiça?
O guarda avisou que precisariam esperar mais uma tranca. Na bancada ao lado, um homem de olhar gasto segurava um papel amassado. Podem ler pra mim?
pediu. Sofia leu: eram poucas linhas, um pedido de perdão dirigido ao filho, sem desculpas, apenas verdade. As mãos do homem tremiam enquanto ele dizia: Não posso desfazer o que fiz, mas posso entregar meu coração a Deus e pedir perdão
. Miguel encarou a porta fechada e, por um instante, escutou dentro de si o clique de uma chave.
Quando o corredor tornou a se abrir, caminharam em silêncio. Miguel quebrou-o primeiro: Eu lembrei do ladrão ao lado de Jesus… Ele ouviu uma promessa mesmo no último momento, não foi?
Sofia assentiu: Sim. Porque a fé é a coragem de acreditar antes de ver, e o perdão é a ponte que Deus constrói para a gente atravessar
. Miguel respirou fundo: Então a fé é decidir girar a chave, mesmo quando ela ainda range
. Sofia sorriu: É confiar que Deus já moldou a fechadura do nosso coração para o perdão
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Ao deixarem a cadeia, as grades permaneciam onde sempre estiveram, mas algo nos dois tinha mudado. Miguel apertou o livro e murmurou: Quero aprender a perdoar
. Sofia respondeu: Eu também. E quando faltar força, a gente pede a Deus
. Lição: a fé não apaga as paredes da vida, mas ilumina o caminho entre elas; o perdão é a chave que, em Deus, primeiro abre a cela por dentro.



