As Margens da Providência
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As Margens da Providência

Na pequena vila erguida à beira de um rio sereno, as montanhas velavam como sentinelas antigas, e a floresta respirava histórias que o vento repetia aos ouvidos pacientes. Um velho camponês, conhecido pela sabedoria e pela fé que não se exibia, sentava-se junto a uma figueira, onde muitos procuravam consolo. Diziam que o rio era quase um personagem, porque ouvira tantos segredos que aprendera a falar apenas pelo brilho da superfície. O jovem cético, inquieto como pássaro em gaiola aberta, observava de longe, ruminando suas perguntas e seu medo de confiar.

Num fim de tarde, o jovem aproximou-se do velho, com o coração cheio de cálculos e cenários sombrios. “Se Deus provê, por que tantas incertezas?”, perguntou, fitando a corrente mansa. O camponês apontou o rio e respondeu: “Nem toda água mostra de início o seu rumo; quem se ajoelha na margem e escuta ouve a fonte antes do barulho das pedras. A providência não retira as curvas, mas dá margens, companheiros e tempo.” O rio, tocado por pombas de luz, parecia concordar com um leve arrepio de claridade.

Nessa mesma semana, uma tempestade de verão desfez a placidez do vale. O céu, tão de azul, se rasgou em vozes e relâmpagos, e a ponte de madeira foi arrancada pela fúria das águas. Do outro lado, uma criança chamava por socorro, presa na casa do moleiro, com a correnteza subindo pelos degraus. Os olhares correram para o jovem cético, único que conhecia o trecho raso perto dos juncos. Ele sentiu o peso gelado do medo e da dúvida: ousar ou esperar que a água cedesse? A incerteza, enfim, apertou-lhe a garganta como mão invisível.

O jovem lembrou-se, então, do conselho do velho e, sem disfarçar o tremor, fez algo que nunca havia feito: rezou com palavras simples, oferecendo o próprio passo a Deus. Caminhou até a margem e encontrou, presa a um cedro, uma corda nova, atada em nós firmes, que o camponês colocara dias antes para ensinar aos meninos a atravessar com cuidado. Segurou-se nela, buscou a faixa mansa junto às raízes e deixou que o rio o conduzisse sem luta. A água, antes inimiga, revelou-lhe passagens silenciosas, e a criança foi alcançada, erguida e trazida de volta, como quem retorna de dentro de uma pergunta.

Quando a tempestade se aquietou, o jovem procurou o camponês. Não havia triunfos em sua voz, apenas gratidão surpreendida. “Eu não venci o rio”, disse, “foi como se ele me ensinasse a passar.” O velho sorriu com o cansaço dos justos e respondeu: “A providência de Deus não é um atalho mágico; é graça que visita o ordinário. Foi a corda antes preparada, foi o conselho ouvido, foi a oração que abriu espaço no peito, foi a decisão de amar apesar do medo. Deus não seca o leito da vida, mas coloca margens e sinais para quem confia.”

Desde então, o jovem cético passou a escutar o rio como quem escuta a própria alma. Aprendeu a semear mesmo quando o céu ameaça, a partilhar o pão quando a colheita parece pouca, e a pedir luz antes de exigir mapas. E a vila aprendeu com ele que a confiança na providência divina não elimina as incertezas, mas as atravessa. Moral desta parábola: quem entrega seus passos a Deus descobre pontes invisíveis; quem luta sozinho contra a corrente se cansa, mas quem confia é conduzido, e volta com mais do que foi buscar.

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