A Videira e o Relógio
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A Videira e o Relógio

No alto da Serra do Mar, onde o vento penteia os pinhais como dedos antigos, ergue-se o Mosteiro de Santa Eulália. Seus claustros de pedra guardam o silêncio como quem guarda água num cântaro antigo. Na ala norte, resiste uma videira velha, de tronco retorcido, e, acima dela, um relógio de pátina verde que dita as horas do trabalho e da oração. Ali, entre sinos e sussurros, a paciência não era discurso: era chão, era tempo, era o modo como as coisas respiravam.

Naquele ano, a seca fez as fontes minguarem e os ânimos se encurtarem. O noviço Tomé, zeloso e apressado, sentia-se ferver por dentro diante de todo atraso. O hortelão, Frei Mauro, caminhava devagar como quem escuta a terra. E a relojoeira ambulante, Dona Isabel, prometera chegar antes da festa de São Miguel para consertar o relógio calado. Eles são os fios desta história, cruzando-se no tear invisível do tempo.

Quando o relógio parou de vez e a videira soltou folhas pálidas como papel, Tomé pediu permissão para arrancar o tronco e plantar algo que prometesse sombra ligeira. Frei Mauro, com as mãos manchadas de terra, apenas disse: regue-a ainda, à hora nona, e confie. O abade assentiu com um gesto, e o silêncio, mais que qualquer decreto, inaugurou a prova. Enquanto isso, Dona Isabel não chegava: cartas davam notícia de pontes quebradas e caminhos atolados.

As tardes se alongavam. Alguns irmãos murmuravam que era perda de tempo manter planta cansada e esperar relojoeira atrasada. Tomé, inflamado, ergueu o podão para cortar a videira, mas a lâmina parou no ar ao ver os sulcos das mãos de Mauro segurando o tronco como quem segura um doente. Naquela noite, no Ofício, o salmo repetia: esperai no Senhor. As palavras caíam no peito de Tomé como chuva prometida e ainda ausente, ensinando-lhe a respirar por dentro.

No décimo quinto dia, nuvens se ajuntaram sobre a serra e um cheiro antigo de terra molhada atravessou os claustros. A chuva veio sem pressa, como quem sabe o caminho. No amanhecer seguinte, brotos tímidos romperam a casca da videira, verdes como perdão. Quase ao mesmo tempo, Dona Isabel chegou, encharcada e sorrindo. Disse que trazia uma peça pequena, mas que precisou aprender a esperar a ferrugem soltar a rosca, pois até o metal tem seu tempo e não obedece a gritos.

O relógio voltou a tocar, porém não para apressar ninguém: lembrava o compasso de um coração entregue. Tomé baixou os olhos, não por vergonha, mas por reverência. Aprendeu que paciência não é cruzar os braços; é regar mesmo quando nada responde, é reparar mesmo quando a solução insiste em demorar. E entendeu que Deus trabalha no intervalo, onde o nosso querer e o tempo dEle se encontram sem ruído e sem pressa vã.

Moral: a paciência é confiança viva que cultiva e guarda até que a graça amadureça; apressar a colheita é perder o fruto, esperar com fidelidade é encontrá-lo no tempo certo.

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