Num vilarejo isolado à beira de um grande lago, cercado por montanhas azuis e uma floresta tão densa que parecia rezar em silêncio, viviam homens e mulheres que aprendiam a medir os dias pelo vento e pelas águas. Ali, onde as trilhas terminavam e a bruma começava, dizia-se que o lago guardava segredos antigos, e que quem o escutasse com o coração limpo encontraria respostas que nenhum alvoroço era capaz de arrancar.
Entre os pescadores havia um velho chamado Anselmo, cuja barba branca parecia ter nascido do sal do próprio lago. Ele conhecia as histórias das correntes, os caprichos das luas, os sussurros da floresta e as marés da alma humana. Seu aprendiz, Mateus, era jovem e impaciente; queria entender o sentido da existência como quem puxa uma rede de uma só vez, e sofria por não ver frutos imediatos em seus esforços, como se o silêncio fosse uma afronta e a demora, um castigo.
Dia após dia, Mateus lançava as redes e recolhia cedo demais, batendo os remos com pressa, assustando os cardumes e irritando o próprio coração. A natureza parecia responder como num espelho: a garça à margem ficava imóvel por longos minutos antes de atacar; as árvores, mesmo sob vento, curvavam-se sem quebrar; o lago devolvia apenas o reflexo daquilo que recebia. Anselmo observava em silêncio, como quem lê um salmo na superfície do mundo, e esperava o momento oportuno de ensinar.
Certa tarde, desiludido por não alcançar o que esperava, Mateus atirou a corda no chão do barco e declarou que iria desistir. Disse que a vida não lhe dava o que prometia e que a fé no próprio trabalho era uma vela apagada. Anselmo, sem levantar a voz, respondeu: “Antes de partir, vem comigo a uma última pescaria ao amanhecer.” Prepararam-se em silêncio, como quem se prepara para uma oração longa, e deixaram que a noite, com seu manto de estrelas, costurasse as inquietações do rapaz.
Quando o primeiro fio de luz tocou as cristas das montanhas, os dois cortaram a névoa com remadas lentas. O frio picava as mãos e o silêncio era tão inteiro que se podia ouvir o próprio pensamento. Anselmo apontou um trecho do lago onde a floresta projetava sombras suaves e disse: “Deixa a corrente nos alinhar; não lutes contra ela.” Lançaram a rede e esperaram. O tempo estendeu-se como um véu, e Mateus, inquieto, quis recolher. O velho, então, sussurrou, citando a sabedoria antiga: há tempo para lançar e tempo para recolher
. E continuaram a esperar, ouvindo o compasso do coração como quem aprende um novo ritmo.
Quando o sol, vencendo a névoa, aqueceu a lâmina d’água, o lago tremeu em anéis discretos. Pequenas pratas riscaram a superfície, e Anselmo sinalizou com o olhar: “Agora.” Recolheram a rede devagar, sem violência, acompanhando a cadência do cardume. O peso veio não como um golpe, mas como um diálogo. “Vês?”, disse o velho, “o lago não recompensa o apressado, e sim o atento. Tu conduzes o remo, mas não mandas no vento; pões a rede, mas não crias as marés. Aceita o tempo que não te pertence e honra o esforço que te cabe.” A floresta pareceu concordar, estalando leve com o calor nascente.
De volta ao vilarejo, Mateus olhou o caminho com outros olhos. Entendeu que a vida é menos uma corrida e mais uma travessia; que cada espera tem um trabalho invisível e cada silêncio, uma semente. Passou a cuidar das redes com humildade, a ler os sinais do lago e a agradecer até os dias em que nada pegava, pois também eles o ensinavam a ser fiel. E assim aprendeu que o sentido não se arranca ao mundo à força, mas se recebe, pouco a pouco, como a luz que acorda o dia. Moral: A jornada pede paciência e aceitação; o tempo de Deus não se dobra à pressa dos homens, e cada momento, reconhecido com humildade, guarda seu valor e propósito.