A Ponte que Não se Via
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A Ponte que Não se Via

Na vila de São Bento, um rio largo cortava a praça como se quisesse lembrar a todos que havia sempre um “outro lado” a descobrir. Muitos diziam que a felicidade morava depois da água; outros, que ninguém atravessava sem perder algo. Lucas, jovem apressado e ansioso por sucesso, olhava a correnteza e sentia um aperto no peito: tinha certeza de que a vida verdadeira estava do lado oposto. Falava alto, corria muito, dormia pouco, e vivia com a impressão de estar sempre atrasado para o próprio destino.

Certa tarde, na saída da igreja, encontrou Dona Madalena, a catequista idosa que todos consultavam quando o coração pesava. Ela segurou a mão do rapaz e lhe deu uma pedrinha lisa, com uma pequena cruz entalhada. “Carrega no bolso”, disse em voz mansa. “Cada passo que fizer por amor tornará firme o chão. A ponte aparece para quem aprende a servir e a rezar.” Lucas sorriu com ironia, mas guardou a pedra por respeito, sem acreditar que aquilo pudesse mudar nada.

Nos dias seguintes, recusou o conselho e insistiu em atalhos. Tentou uma balsa improvisada com conhecidos que prometiam travessias instantâneas, negócios fáceis e fama ligeira. Voltou encharcado e mais vazio, como quem bebe água do mar. Numa noite de cansaço, os sinos chamaram para a Missa, e ele entrou quase por acaso. O padre falava dos discípulos caminhando sem reconhecer o Ressuscitado: “Ele anda ao nosso lado quando partilhamos o pão e o coração”. Lucas saiu em silêncio, com a pedrinha apertada no bolso.

Decidiu experimentar o que não entendia. Começou varrendo a pequena capela ao amanhecer, depois consertou o remo de Seu Amadeu, pescador idoso; levou sopa para Dona Graça, que vivia só; ensinou leitura às crianças da catequese e devolveu um troco que recebeu a mais na venda. Não foi heroísmo, foi constância. Ao entardecer, ia à beira do rio e, sem saber explicar, sentia o chão menos escorregadio. Como se um traço de viga aparecesse na água quando ele chegava com as mãos gastas e o coração mais leve.

Veio então a grande cheia. A chuva fechou o céu, o rio virou lâmina escura, e faltaram remédios do outro lado, onde ficava o posto de saúde. O padre pedia ajuda, e o medo apertou Lucas. Ele tocou a cruz na pedrinha e rezou devagar: “Pai-Nosso…”. Deu um passo dentro da água, depois outro. A cada passo, lembrava um rosto que servira e sentia uma firmeza inesperada sob os pés, como se a oração e o bem feito se misturassem ao leito do rio. Atrás dele, a vila inteira começou a segui-lo, mãos dadas, formando uma corrente de coragem.

Chegaram ao posto, trouxeram os remédios e voltaram em segurança. Só então Lucas percebeu: a ponte que não se via era feita de passos partilhados. No dia seguinte, com as águas baixas, todos ergueram uma ponte de madeira e pedra, mas sabiam que a verdadeira já existia: era a confiança no tempo de Deus, a oração que alinha o coração e o serviço que liga margens. À noite, diante do sacrário, ele agradeceu por ter descoberto o caminho sob o próprio pé.

Lição: a vida não se vence na pressa, nem se alcança sozinho. A travessia acontece quando a gente aprende a amar no cotidiano, carrega a pequena cruz de cada dia e reparte o peso do irmão. Quem confia no tempo de Deus e persevera no bem descobre que, passo a passo, o chão se firma e a ponte aparece.

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