Na encosta fria de um vale serrano erguia-se uma pequena ermida, onde um velho eremita acolhia quem buscava sentido. Diante da ermida, abria-se um precipício profundo, cortando o caminho que levava a uma planície luminosa. Ali chegou um jovem peregrino, coração ardente e passos hesitantes. O abismo parecia falar com voz de medo, e o vento, seu cúmplice, soprava dúvidas ao ouvido. O eremita, porém, o convidou a ficar e aprender a escutar além do ruído.
O peregrino ouvira dizer que além do abismo jorrava uma fonte que sarava feridas do corpo e da alma. Muitos tentaram alcançá-la com cordas, cálculos e soberba, e todos recuaram. O eremita explicou: existe uma ponte que os olhos não veem antes do primeiro passo, e que só se revela a quem caminha obedecendo a uma voz maior que o próprio medo. Não é magia, disse ele; é confiança que se torna caminho, oração que vira chão.
Numa noite de céu pesado, bateu à porta um mensageiro: uma criança da aldeia ardia em febre, e o remédio, raro, estava do outro lado. O tempo urgia, e o vale parecia zombar. O eremita entregou ao jovem um alforje leve e aconselhou: “O fardo mais pesado é a desconfiança; deixa-o.” O peregrino ajoelhou, traçou o sinal da cruz, murmurou o salmo que aprendera na infância e, com as mãos ainda trêmulas, aproximou-se da beira escura.
Deu o primeiro passo no que lhe pareceu vazio, e, sob a sola, sentiu firmeza. Não viu tábuas, mas a cada avanço emergia, sob seus pés, um brilho discreto como de lua sobre pedra molhada. O vento uivava tentações: “Olha para baixo!”; a dúvida sussurrava: “Volta!” Ele repetia, quase como batida do coração: Jesus, eu confio em Vós. Um chamado manso, vindo da ermida, lembrava-lhe: “Não temas, Eu estou contigo.” E, sem desafiar o abismo, apenas obedecendo, seguiu adiante.
Ao alcançar a outra margem, o peregrino chorou sem vergonha: não de triunfo, mas de gratidão. Regressou com o remédio e, diante do leito da criança, deu graças. Os que riam silenciaram; os prudentes demais ficaram pensativos. A ponte não ficou visível para os curiosos, pois não era espetáculo, era dom. A aldeia aprendeu a reunir-se ao entardecer para rezar e servir; ergueram, junto ao penhasco, um pequeno oratório, lembrando que o impossível começa quando o coração diz sim.
Com o tempo, o peregrino entendeu o segredo: a ponte não nascia dos pés, mas da Palavra em que ele pisava. A fé não é aversão à razão, é confiança que a ultrapassa e a eleva; não dispensa o passo, mas o sustenta. Deus nem sempre remove os abismos; muitas vezes nos dá a graça de atravessá-los, um passo de cada vez, no ritmo da oração e da caridade. E a lição ficou clara: quem caminha apoiado em Deus encontra, sob cada passo, um chão que não se vê antes de obedecer.