A Chama no Claustro
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A Chama no Claustro

Num mosteiro antigo, cercado por muralhas cobertas de hera e pelo rumor das montanhas, vivia Miguel, um jovem noviço com o coração apertado por uma inquietação que não sabia nomear. Ele vigiava as horas com zelo, contava os passos pelos corredores, e ainda assim, no silêncio da noite, o peito se enchia de trovoadas. No claustro, parecia habitar uma Sombra que lhe sussurrava temores; na capela, ardia uma pequena lâmpada do sacrário, a que chamavam Chama da Vigília, como uma presença que respirava esperança.

Miguel acreditou que venceria seu mal apertando mais as rédeas: arrumou a cela com rigor, decorou salmos, alinhou o trabalho ao sino. Porém, quanto mais controlava, mais a Sombra se agigantava, soprando dúvidas: se errar, Deus te rejeita; se falhar, todos verão. Às vezes, quando passava diante da Chama, sentia um convite suave, quase inaudível, como se a luz murmurasse: permanece. Mas ele, com medo de perder o compasso, acelerava o passo, como quem tenta calar a própria sede com mais corrida.

Certa noite, uma tempestade desabou sobre o mosteiro. O vento assobiava nas frestas, e o trovão pareceu instalar-se no peito de Miguel. As mãos tremeram, a respiração encurtou; ele largou o livro dos salmos e correu para o pátio encharcado. Ergueu o rosto ao céu escuro, e um desespero o atravessou: e se Deus não me escuta? e se nunca melhora? A Sombra, ali, parecia estender um manto gelado sobre seus ombros. A porta da capela rangeu, e o vento ameaçou a pequena lâmpada; a Chama vacilou, como se buscasse abrigo nas próprias bordas.

Foi então que Frei Tomás, o mentor de olhar manso e mãos gastas de serviço, o encontrou. Não perguntou muito; sentou-se ao lado e, com voz baixa, contou-lhe de um barqueiro que quis amarrar o rio para não balançar, e quase se afogou. Aprendeu a atravessia quando soltou as cordas e confiou no curso. O monge pediu a Miguel que abrisse as mãos, respirasse devagar e repetisse: Jesus, eu confio em Vós. Conduziu-o à capela e, diante da lâmpada vacilante, colocou as palmas em concha para protegê-la do vento. O noviço, encharcado, imitou o gesto, e ambos fizeram do silêncio um abrigo.

Enquanto o vento ainda uivava, Miguel percebeu: ele não podia mandar que a tempestade parasse, mas podia cuidar da chama. A ansiedade não se governa por decreto; cuida-se daquilo que a mantém acesa: a presença de Deus, a oração simples, o pedir ajuda, o descanso necessário, a caridade miúda. O ritmo da respiração desacelerou, e com cada sussurro de confiança a Sombra recuou para as frestas. Brotou então uma coragem mansa, não a dos fortes de aço, mas a dos que aceitam ser conduzidos mesmo quando a estrada treme.

Ao amanhecer, o claustro estava lavado de luz. Miguel ainda sentia ondas por dentro, mas agora sabia onde firmar os pés. Antes de voltar ao trabalho, ajoelhou-se e, com voz baixa, entregou o dia. Na parede de seu coração, gravou um lembrete: não lutar contra o vento, e sim guardar a chama. E a Palavra, que tantas vezes passara apressado, brilhou como um recado antigo e novo:

Lançai sobre Ele toda a vossa preocupação, porque Ele cuida de vós.

Lição moral: a ansiedade cresce quando tentamos dominar tudo sozinhos e se aquieta quando confiamos a Deus o que não controlamos, fazendo apenas o bem possível de hoje. Não é negar o medo, é oferecê-lo. Quando a inquietação vier, abre as mãos, respira com a oração, busca a comunidade, cuida da chama da presença de Deus com pequenos atos de fé. Assim, mesmo que a tempestade continue, o coração aprende a atravessar, guiado por Aquele que não dorme nem abandona.

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