Viver a espiritualidade vicentina em tempos de pressa: um convite a desacelerar, escutar e servir com o coração
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Viver a espiritualidade vicentina em tempos de pressa: um convite a desacelerar, escutar e servir com o coração

Vivemos em uma sociedade marcada pela pressa. Entre notificações incessantes, agendas cheias e a sensação permanente de urgência, o tempo — e até mesmo o silêncio — parecem se tornar artigos raros. Nesse cenário, surge um desafio fundamental para os vicentinos: como viver a espiritualidade que pede atenção, disponibilidade e amor ao próximo, quando tudo ao redor nos empurra para a velocidade e superficialidade?

Para a consócia Ada Ferreira, psicóloga da Rede de Afeto da SSVP Brasil, a resposta está no próprio exemplo de São Vicente de Paulo. Ela relembra um episódio fundador da espiritualidade vicentina:

“O ato fundacional da Família Vicentina: ouvir um moribundo que estava no seu leito. Ao ouvir pacientemente, Vicente aprendeu a grande lição de como deveria chegar ao coração das pessoas. Ele nos ensina a não entrar na agitação cotidiana e seguir com paciência e disponibilidade afetiva e efetiva. Somos convidados a ser sinal de escuta e encontro.”

Já a psicóloga Dayse Hespanhol da Cunha Felix, também integrante da Rede de Afeto, reforça que espiritualidade vicentina não é um peso adicional na rotina, mas um modo de viver:

“Viver a espiritualidade em tempos de vida corrida é possível — e até necessário — quando a entendemos não como ‘mais uma tarefa’, mas como uma forma de estar no mundo, presente em cada encontro simples, inesperado e contemplativo.”

A pressa como obstáculo à escuta e ao serviço

As especialistas destacam que a tecnologia e a cultura do imediatismo intensificaram a sensação de sobrecarga. Para Ada, a pandemia acelerou ainda mais esse processo: “já estávamos num ritmo acelerado, mas a pandemia da Covid-19 intensificou a prontidão na nossa mente. Perdemos o limite e entendemos que tudo deveria ser atendido na hora. O nosso carisma nos ensina que nada substitui a presença, o encontro, a disponibilidade para ouvir e ser ouvido.”

Dayse completa: “mesmo com a vida corrida, o carisma nos convida à escuta ativa e respeitosa. Cada atendimento é uma conexão íntima e sincera e, ao mesmo tempo, um crescimento contínuo.”

Desacelerar: um movimento espiritual

No contexto vicentino, desacelerar não significa fazer menos, mas estar mais inteiro. Para Ada, esse movimento começa internamente: “precisamos esvaziar de nós mesmos para encontrarmos o outro, para permitir que Deus comunique conosco. Deus comunica conosco através das pessoas e das circunstâncias.”

Dayse destaca que a missão vicentina está ligada ao abandono das urgências do cotidiano: “a saída em missão já é um ‘abandono’ das situações corriqueiras para estarmos plenos nos encontros. Deus nos visita através da mística vicentina.”

Escutar com o coração

Inspiradas no texto “Escutatória”, de Rubem Alves, as psicólogas reforçam a importância de cultivar silêncio interior para que a escuta seja verdadeira. “A escuta atenta exige postura de abertura e encontros sinceros. Deus nos faz nos silêncios da vida”, afirma Dayse. “Ouvir nem sempre é confortável, mas ao ouvir com disponibilidade interna afetiva e efetiva, acolhemos o outro como ele é”, complementa Ada.

Rede de Afeto: um antídoto coletivo

A Rede de Afeto nasceu justamente da necessidade de espaço de escuta entre vicentinos, especialmente jovens. Segundo Dayse: “quando nos conectamos com outros de forma autêntica e acolhedora, criamos um espaço onde todos podem respirar, se sentir vistos e apoiados.”

Ada descreve a iniciativa como: “uma rede de esperança e confiança do coração. Que essa confiança silenciosa renasça em cada um de nós.”

Dicas práticas para servir com atenção

Para quem deseja viver o carisma vicentino com profundidade, mesmo na correria, as psicólogas deixam orientações:

Ada destaca a importância da confiança e esperança: “a confiança do coração é uma entrega carregada de fé. Para São Vicente, essa entrega era o abandono total na providência de Deus. A certeza de que nunca estivemos totalmente sozinhos.”

Já Dayse reforça um gesto simples e transformador: “pratique a escuta ativa. Pare um instante, olhe nos olhos de quem está à sua frente e simplesmente ouça. Às vezes, isso pode fazer toda a diferença.”

E lembra: “não se esqueça de se cuidar também. O serviço vicentino é sobre servir com a alma leve — e isso começa com você.”

Em tempos de pressa, o carisma vicentino nos provoca a nadar contra a corrente: desacelerar, encontrar sentido, cultivar presença e transformar encontros em experiências de amor e esperança. Porque, como nos ensinou São Vicente, é no outro — especialmente no mais pobre — que Deus nos espera.

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