Dia da Caridade: expressão viva da fé cristã e do amor de Deus
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Dia da Caridade: expressão viva da fé cristã e do amor de Deus

Celebrado em 19 de julho, o Dia da Caridade é mais do que uma data no calendário. Para os católicos, é um chamado profundo ao exercício da fé através do amor ao próximo, como ensinou Jesus Cristo. A caridade, entendida como virtude teologal, é a mais elevada forma de amor, sendo o elo direto entre Deus e a humanidade. É por meio dela que o cristão se configura ao Cristo, que “amou até o fim” (Jo 13,1).

Muitas são as passagens bíblicas e os documentos da Igreja que citam, definem a importância e nos ensinam a viver a caridade. Convidamos o Padre Eli Chaves, Missionário Vicentino, para nos ajudar a refletir sobre algumas delas.

“a caridade é o vínculo da perfeição” (CIC 1827)


O Documento do Vaticano II, a Lumen Gentium, recorda que “todos os fiéis, seja qual for o seu estado ou classe, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade” (n. 40). O exercício de todas as virtudes é animado e inspirado pelo amor/caridade, que é o ‘vínculo da perfeição’ (Cl 3,14). Deus é amor/caridade e, como seus filhos e filhos, somos marcados por esta realidade divina. O amor/caridade dá sentido, configura nosso ser e agir e purifica nossa vida, elevando-a à perfeição sobrenatural do amor divino. Toda a vida humana, em todos os seus aspectos e dimensões, deve se orientar e se desenvolver na busca contínua de amar. Na busca e na força do amor, a pessoa humana descobre Deus amor supremo, descobre o amor/caridade como sentido de sua vida pessoal e da vida na relação com as demais pessoas e com o mundo.

São João nos afirma a necessidade e importância de desenvolver uma vida no amor: “Amados, amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor.” (1Jo 4,7-8) O amor/caridade constitui a realidade por excelência e tem uma total supremacia em nosso ser e agir: “Acima de tudo, porém, revistam-se do amor, que é o elo da perfeição.” (Cl 3, 14)

– “ainda que eu distribuísse todos os meus bens aos pobres… se não tiver caridade, de nada me aproveita”. (1Co 13)



O serviço caritativo de amor vai além de uma de mera filantropia, ou de um sentimento de bem-estar e de satisfação passageira. É uma atitude profunda que nasce da consciência do amor de Deus que nos ama, que penetra todo nosso ser e se transborda em ações de compaixão, misericórdia e amor aos outros. O amor/caridade é a expressão mais completa da compaixão e da misericórdia de Deus, que, vendo seu povo oprimido, envia seu Filho para resgatar, libertar e salvar seus filhos e filhas de toda situação de opressão, maldade e pecado.

O amor é Jesus e sua proposta de vida nova, que restabelece e alimenta nossa condição de filhos e filhas de Deus, que nos faz irmãos e irmãs uns dos outros e nos situa no mundo com a responsabilidade de cuidar da casa comum, fazendo-a um lar justo e fraterno para todos. Como nos diz São Paulo, o amor “é paciente, o amor é bondoso. Não é invejoso, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca perece

O amor/caridade em nossas atividades, segundo as palavras de São Vicente de Paulo, é: “está acima de todas as regras e é preciso, pois, que todas as coisas a ela se relacionem. É uma grande dama, é preciso fazer o que ela ordena. Empreguemo-nos, pois, com um novo amor a servir os pobres e também procurar os mais pobres e abandonados; reconheçamos diante de Deus eles são nossos senhores e nossos patrões” ( XI, 393).

– “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com ações e de verdade” (1Jo 3,18).




João afirma que o verdadeiro amor deve ser demonstrado por ações e não apenas palavras e sentimentos vazios e ineficazes. O amor deve ser expresso em ações concretas e autênticas que refletem sinceridade, solidariedade e compromisso.

Vivemos numa cultura marcada pelo interesse próprio e pela busca individualista, que privilegia o bem-estar pessoal e, muitas vezes, aliena e fecha a pessoa em suas preocupações passageiras e a torna indiferente e insensível em relação às necessidades dos pobres e dos problemas sociais que tanto fazem sofrer grande quantidade de pessoas empobrecidas e marginalizadas. Muitos falam e buscam o amor, mas voltado para os interesses espiritualistas, individualistas e materiais. O Amor, no ensino e testemunho de Cristo, ao contrário de certa mentalidade moderna que desvirtua o sentido do amor, chama a abrir os olhos e os corações para os problemas da vida e das pessoas concretas.

O amor/caridade funciona como antenas que nos unem a Cristo presente na pessoa dos outros, especialmente dos mais necessitados. Amar de verdade requer ir além dos bons sentimentos, das palavras bonitas, dos discursos teóricos, e servir e amar o outro, como disse São Vicente, “com a força de nossos braços e o suor de nosso rosto”, como profetas da caridade sempre ao lado da defesa e promoção das causas dos mais pobres.

Temos em São Vicente um notável exemplo de um homem de muita oração, mas também de muita ação de amor/caridade. Dizia São Vicente que “não podemos garantir melhor a nossa salvação do que vivendo e morrendo a serviço dos pobres” e mais ainda: “Um coração que ama a Nosso Senhor não pode sofrer a sua ausência e deve unir-se a Ele por esse amor afetivo, que por sua vez produz o amor efetivo. Porque o primeiro não é suficiente; você tem que ter os dois. Devemos passar do amor afetivo ao amor efetivo, que consiste no exercício das obras de caridade, no serviço aos pobres empreendido com alegria, entusiasmo, perseverança e amor”.

No amor efetivo, autêntico e generoso, com coração e ação, está a meta da vida do cristão. Por isso, São Vicente dizia: “Que felicidade para nós, Missionários, podermos demonstrar que o Espírito Santo guia a sua Igreja, trabalhando como nós pela instrução e santificação dos pobres!”

– “Tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber… todas as vezes que fizestes isso a um desses meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Cf. Mt 25,35-40).




Deus, em Jesus Cristo, amou-nos plenamente e, como prova perfeita de amor, enviou seu Filho, que assumiu a condição humana e se fez pobre e pequeno como os pobres e pequenos, tão maltratados e injustiçados. Deus se fez e se faz presente na história, assumindo a condição dos pobres e necessitados. Com palavras e ações, Jesus anunciou o projeto de Deus, o Reino de amor, justiça e plenitude na comunhão com Deus e os irmãos. Jesus opta pelos pobres, identifica-se com eles, profeticamente assume a cruz em coerência com esta opção profética de amor e propõe uma vida de serviço e amor aos pobres.

O amor/caridade de Cristo é o constitutivo do ser e da missão de Jesus. Ele foi enviado pelo Pai para evangelizar os pobres. Este amor/caridade, servir os pequenos, dar de beber e comer aos famintos e sedentos, é a principal herança de Cristo deixa para os seus seguidores. Nos pequenos e necessitados, Jesus se faz presente, nos chama a descobrir e atuar na superação das causas geradoras de pobreza e opressão, nos congrega em comunidade para servir e amar e nos faz instrumentos de sua justiça e de sua causa de vida para todos.

Por isso, nas pegadas de Cristo, é preciso, como dizia São Vicente, “correr para atender às necessidades de nosso próximo como se fosse para apagar um fogo”. O amor/caridade nasce de um coração sintonizado com o coração de Cristo e se doa aos outros, sobretudo aos necessitados e sofredores, com palavras, atitudes e ações efetivas de serviço, promoção e defesa da vida digna para todos. No dizer de São Vicente, “a caridade é a expressão mais pura do amor de Deus em nossas vidas”. “A caridade é inventiva ao infinito”.

– “Agora, portanto, permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade. A maior delas, porém, é o amor” (1Cor 13,13).




A Igreja ensina que o Amor/caridade é uma Virtude Teologal. Segundo as Sagradas Escrituras, Virtudes Teologais são as que nos ligam diretamente a Deus: a Fé, a Esperança e a Caridade; porém a maior é justamente a Caridade (1Cor 13,13). Quem ama se doa a si mesmo, gratuitamente; é incapaz de usar o próximo em benefício próprio, para se autoafirmar. É manso, humilde, sereno, receptivo generoso e serviçal. Amor/caridade é a virtude cristã por excelência, porque Jesus Cristo fez da caridade seu novo e supremo Mandamento, amando-nos até o fim (Jo 13,1) e manifestando o Amor do Pai, que Ele próprio recebe: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada. (…). Assim como o Pai me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor” (Jo 14,23;15, 9).

Em nossa caminhada histórica, ainda precisamos da fé (acreditar em meio aos apuros e desafios da vida), da esperança (não desanimar nem se desesperar ante os imprevistos e limites de nossa vida) e da caridade (amar e ajudar os outros, sobretudos os mais necessitados). Mas, na plenitude da vida, a fé não será mais necessária, porque veremos Deus face a face e nele seguros e protegidos. A esperança se extinguirá porque alcançaremos o que almejávamos. O Amor, porém, permanecerá, pois ele é maior que tudo, é a própria essência de Deus, é Deus mesmo, é “ágape”, “comunhão de vida com Deus”, é “viver a vida de Deus, vida em abundância”.

– Certa ocasião, um perito na lei levantou-se para pôr Jesus à prova e lhe perguntou: Mestre, o que preciso fazer para herdar a vida eterna?” “O que está escrito na Lei?, respondeu Jesus. “Como você a lê?” … disse Jesus: Um homem descia de Jerusalém para Jericó, quando caiu nas mãos de assaltantes. Estes lhe tiraram as roupas, espancaram-no e se foram, deixando-o quase morto. …. Descia um sacerdote … descia um levita… Mas um samaritano, estando de viagem, chegou onde se encontrava o homem e, quando o viu, teve piedade dele. Aproximou-se, enfaixou-lhe as feridas, derramando nelas vinho e óleo. Depois colocou-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e cuidou dele. …. Qual destes três você acha que foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes? Aquele que teve misericórdia dele, respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: Vá e faça o mesmo”.




Na parábola do Bom Samaritano, Jesus nos apresenta um retrato vivo do amor/caridade. A parábola do “bom samaritano” é inspiradora da vivência autêntica do amor/caridade e inspiradora para a construção de uma nova cultura comunitária, inclusiva e solidária.

Muitas vezes estamos fisicamente próximos uns dos outros e, ao mesmo tempo, completamente ausentes, frios, insensíveis; outras vezes encontramo-nos e só esbarramos uns nos outros; somos ilhas e não uma comunidade compassiva. A Parábola do Bom Samaritanos nos apresenta o desafio de criar vínculos humanos de proximidade, de acolhida e de serviço ao outro, sobretudo daquele que é diferente e que está estendido à beira da estrada da vida. O ser humano é um “ser de relações”, está comprometido com os outros; por sua própria natureza, ele se torna pessoa humana somente em interação com os outros. O amor/caridade nos faz desenvolver atitudes em direção ao convívio, à cooperação, à comunhão.

Na estrada entre Jerusalém e Jericó e nas estradas do mundo atual, com tantos perigos, violências e assaltos, um “homem” foi vítima de violência e que morrerá se não encontrar ajuda. Duas pessoas respeitáveis e religiosas, um sacerdote e um levita, passam adiante, totalmente insensíveis. Mas, um samaritano, pertencente a um povo desprezado pelos judeus, vê, se compadece, desce da montaria, presta os primeiros socorros e o leva para a hospedaria.

A parábola do samaritano revela o verdadeiro sentido do amor/caridade, “eu quero a misericórdia e não sacrifícios” (Mt 12,7). O amor/caridade mostra o verdadeiro sentido da religião vivida com o coração voltado para os miseráveis e denuncia a outra visão centrada apenas no culto e nas leis. A religião cristã não se define por seus dogmas, doutrinas, ritos, leis…, mas por se “fazer próxima” de quem está à margem. Implica entrar no fluxo da “proximidade amorosa” de Deus, que rompe as distâncias e vem ao encontro de todo ser humano. Deus tem se faz próximo sobretudo através das feridas, fracassos… Jesus aponta o amor/caridade como a prioridade da observância religiosa; a religião só tem sentido quando é expressão de uma presença compassiva e quando mobiliza as pessoas a se aproximarem e se comprometerem com as vítimas, ou seja, os excluídos, os feridos e desamparados.

Na parábola do bom samaritano, somos todos os personagens ao mesmo tempo. Eles nos habitam. Somos chamados a ser samaritanos, abandonar a indiferença e a insensibilidade do sacerdote e do levita e a viver o amor/caridade. E só seremos samaritanos se nos tornamos próximos, irmãos, compassivos, aproximando-nos do ferido, do necessitado e servindo-o de modo solidário e compassivo. O amor/caridade é o despertar efetivamente o nosso ser samaritano; é um ativar o ser samaritano e despertar uma sensibilidade solidária e compassiva para com aqueles que estão prostrados à margem da vida.

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