A Praça que Respirava
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A Praça que Respirava

A cidade parecia um corpo vivo: as ruas eram veias apressadas, os prédios, costelas que guardavam histórias, e a praça central, um coração que pulsava ao som dos passos. A Comunidade andava, trabalhava, sorria e chorava como um só organismo. Lucas, adolescente de sonhos altos, caminhava de cabeça baixa, queixando-se do que faltava: o tênis da moda, a nota perfeita, o tempo ideal. Ana, ao contrário, via brilho naquilo que cabia na palma da mão: o pão ainda quente, o sorriso do porteiro, uma prece antes do dia começar. A cidade, silenciosa e atenta, parecia acolher os dois, esperando o momento de os ensinar.

Então veio a tempestade, e com ela um apagão que apagou vitrines, semáforos e telas. As janelas ficaram como olhos fechados, e a Comunidade sentiu o peso do escuro. Lucas resmungou pelo sinal que caiu, pela comida fria, pela tarde perdida. Ana acendeu uma lanterna pequena e, com voz calma, chamou vizinhos pelo nome. Crianças foram guiadas até o salão da paróquia, idosos receberam chá, o padeiro repartiu o que restara, e um coro hesitante entoou o Pai-Nosso. A cidade, mesmo ferida, respirou devagar, como quem redescobre o próprio ritmo quando cada parte cuida da outra.

Na praça central, onde o coração da cidade batia mais forte, velas substituíram os postes. O sino da igreja marcou a hora em que todos se reuniram. Ana perguntou a Lucas se ele conseguia ver. Ele olhou em volta: mãos que ofereciam cobertores, jovens carregando água, risos tímidos iluminando rostos. Viu queixas dissolvidas no calor de pequenos gestos. Seu peito, antes apertado, abriu-se como janela ao amanhecer. Um catequista elevou a voz e lembrou uma antiga exortação, e a praça silenciou para escutar.

Em tudo, dai graças (1Ts 5,18).

Quando a luz voltou, o coração da cidade não queria perder o que havia aprendido no escuro. Lucas, transformado, subiu no coreto e propôs uma nova tradição: toda semana, ao entardecer de domingo, a Comunidade se reuniria para agradecer por algo ou alguém. Não por obrigação, mas por liberdade. Ana sorriu, e muitos assentiram. A praça respirou fundo, como quem reza. A Eucaristia do dia seguinte haveria de ecoar essa decisão, pois ação de graças é o nome do amor quando se lembra de sua Fonte.

Lição: a gratidão não nega a dor, mas a redime; abre os olhos para as bênçãos miúdas, fortalece a Comunidade e transforma ruas comuns em caminhos de graça. Desde então, a cidade continuou a viver, mas agora sabia respirar com mais fé, esperança e amor.

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