A Cerca que Virou Ponte
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A Cerca que Virou Ponte

Na Fazenda Boa Esperança, o amanhecer sempre trazia uma sinfonia de vida. As vacas ruminavam com paciência, as galinhas ciscavam como se bordassem a terra, e as abelhas traçavam caminhos invisíveis entre as flores do pomar. Tudo por ali parecia lembrar que cada criatura tinha um lugar, um ritmo e um dom. Nesse cenário de harmonia, caminhavam três crianças: Maria, com os bolsos cheios de penas e perguntas; João, de passos firmes e olhar desconfiado; e Ana, que carregava um caderno de desenhos e um sorriso que percebia dores antes mesmo que elas falassem.

Num fim de tarde, perto do velho curral, Maria propôs um jogo: misturar uma corrida com a tarefa de recolher as frutas maduras caídas no chão. Ana, empática como sempre, sugeriu que cada um escolhesse uma fruta diferente, para aprender com as preferências dos outros. João, porém, torceu o nariz. Ele gostava de bola, de corrida reta, de regras que não mudassem. Ao ver as ideias de Maria e Ana — o cuidado com os animais, a brincadeira que envolvia escutar e observar —, resmungou: Isso é coisa estranha, não é brincar de verdade. Eu não vou! O silêncio que se seguiu pesou; até o vento pareceu parar para ouvir a frustração.

Foi então que surgiu um Viajante, de chapéu gasto, cajado polido pelas estradas e olhos que guardavam mapas de muitas terras. Ele observou a distância entre as crianças como quem vê uma cerca recém-levantada. Com voz mansa, perguntou o que havia acontecido. Ao saber, apenas assentiu. — Permitam-me contar uma história que aprendi longe daqui, disse, sentando-se numa tora de madeira. — É breve, como as lições que o coração não esquece.

Certa vez atravessei um vale onde um rio dividia duas aldeias. Um carpinteiro, com tábuas tortas, retas, longas e curtas, construiu uma ponte. Riram dele, porque as tábuas não combinavam, e cada uma parecia destoar. Veio a cheia. As pontes feitas de peças todas iguais ruíram; a do carpinteiro resistiu. As diferenças entre as tábuas criaram espaços por onde a água passou sem levar embora a obra. O carpinteiro sorria e dizia: O segredo é servir juntos. O mesmo rio que separa pode aprender a acolher. Em minhas viagens, também ouvi um ensinamento antigo: Somos muitos membros, mas um só corpo. E um corpo precisa de olhos, mãos, pés e coração, cada qual com seu dom.

As palavras pousaram no chão como sementes. João olhou ao redor: o boi arava sem disputar com o cão que guardava; as abelhas dançavam sem atrapalhar as galinhas que ciscavam; o cavalo não invejava o trabalho da formiga, e nenhuma delas copiava a outra. Percebeu uma tábua solta numa cerca perto do riacho — uma tábua que, sozinha, não servia ao seu antigo propósito. — Se a gente virar a cerca em ponte…, murmurou. Maria e Ana entenderam. Juntos, arrumaram as tábuas com cuidado. O cão levou o barbante com o qual Ana amarrava seu caderno; Maria testou a firmeza, e João, finalmente, sorriu ao ver a ponte nascer onde antes havia separação. Quando atravessaram para colher as frutas do outro lado, João respirou fundo: Desculpem. Eu quis que tudo fosse do meu jeito. Posso aprender a brincar do jeito de vocês também?

Maria deu um leve tapinha no ombro dele, sem qualquer sinal de mágoa. — O seu jeito também é valioso, João, disse Ana, com a voz que aquecia. Resolveram, então, criar um novo jogo: metade do tempo correria, do jeito de João; metade escutaria a natureza, do jeito de Maria; e, ao final, desenhariam o que aprenderam, do jeito de Ana. O Viajante, contemplando o entardecer, abençoou com o silêncio de quem reza no coração e seguiu adiante, deixando atrás de si um rastro de paz e a ponte recém-erguida, brilhando com a luz dourada do sol.

Na fazenda, nada mudou e tudo mudou: os animais continuaram fiéis aos seus dons, e as crianças, agora, também. O riso que ecoou naquela noite tinha o som de algo aprendido e guardado. O Viajante levara consigo a estrada; João, Maria e Ana guardaram a memória de que a vida é mais fértil quando diferentes mãos se estendem umas às outras. E, como quem aprende uma oração simples, repetiram entre si: Se o amor constrói, a diferença sustenta.

Moral: Respeitar e acolher as diferenças não diminui ninguém; ao contrário, fortalece a convivência e torna a vida mais bela. Quando permitimos que cada um ofereça seu dom, como num corpo vivo e numa fazenda em harmonia, a tolerância se torna ponte, e o respeito, caminho seguro. Que em nossas escolhas de hoje, possamos preferir construir pontes a levantar cercas.

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