Quando o Mar Ensina
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Quando o Mar Ensina

O navio deixou o porto como quem solta a respiração depois de um longo dia. O casco cortava o mar com paciência, e o vento, embora tímido, levava consigo uma promessa de horizontes. Maria, mãe de família e navegante de esperanças, guardava no colo o diário da família. João, seu filho, percorria o convés com olhos de quem quer entender o mundo inteiro de uma vez. E Brisa, a gata cinzenta que escolhera a eles como sua tripulação, farejava cada canto, como se vigiasse os mistérios da viagem.

No silêncio do fim da tarde, Maria abriu o diário e escreveu com letra decidida. Contou do céu que parecia um lençol estendido, da lembrança de casa e da prece que fazia todos os dias para que a viagem fosse mais do que deslocamento: que fosse caminho. João se encostou ao seu lado, curiosidade estendida como vela ao vento.

Mãe, por que você escreve aqui?, ele perguntou, o dedo pousado na borda das páginas. Maria sorriu e respondeu: Escrevo para lembrar que temos um rumo, mesmo quando as estrelas se escondem. Este diário é como um pequeno leme para o coração. Então, João pediu uma linha só sua, e rabiscou: Se Deus guia, por que às vezes parece silêncio? Maria beijou-lhe a testa. Ótima pergunta; perguntas também rezam, disse.

Os dias correram em mar de brigadeiro. João aprendeu o nome de velas e nós, e Brisa ganhou amigos entre os marinheiros, que lhe ofereciam petiscos como quem oferece bênçãos. Maria levava o filho ao parapeito ao pôr do sol. Vê como o mar muda de rosto e, no entanto, continua mar?, dizia. A vida também é assim. Um dia, contou-lhe a história de Jesus no barco, adormecido enquanto os discípulos desesperavam. Falou baixa, como quem sopra brasa para que o fogo não apague: Às vezes, a fé não fala alto; às vezes, apenas respira conosco.

Mas naquela noite o horizonte mudou de cor. Uma faixa de nuvem pesada fechou-se como cortina, e o vento, sem mais cerimônia, açoitou o convés. O aviso do comandante veio firme, pedindo que todos descessem. A madeira gemeu, a luz vacilou, e o diário da família escorregou pela mesa antes que Maria o resgatasse contra o peito. João segurou-se ao braço da mãe. Brisa sumiu por um momento, para reaparecer debaixo da poltrona, olhos luminescentes, vigilante muda como um anjo pequeno.

Ainda que eu atravesse o vale escuro, nada temerei, porque Tu estás comigo.

Maria murmurou o versículo, deixando as palavras irem e voltarem como a respiração. E então lembrou a João a cena do Evangelho, como se acendesse uma lanterna escondida dentro do medo: Por que temeis, homens de pouca fé? Não porque o medo não seja real, disse, mas porque Jesus está no barco, mesmo quando parece dormir. A tempestade sacudiu o navio como quem experimenta um coração. Pratos tremeram, orações começaram a brotar de todos os cantos, algumas tímidas, outras urgentes.

Mãe, e se o navio afundar?, João sussurrou. Maria o abraçou, firme como uma amarra: Se a onda é grande, maior é Aquele que a fez. Vamos rezar juntos. E começaram com palavras simples, ensinadas em noites tranquilas: Santa Maria, passa à frente. Jesus, eu confio em Vós. O ritmo da oração tornou-se uma corda invisível, unindo mãos, lembranças e promessas. Brisa, numa coragem miúda e persistente, pulou para o colo dos dois, e o ronronar da gata era um lembrete concreto de que, no meio do caos, ainda há pequenas proteções.

O tempo, que antes corria contente pelos corredores, virou água pesada, uma sucessão de instantes amarrados ao medo. Mesmo assim, entre solavancos, Maria abriu o diário e escreveu, com letra trêmula: Hoje, aprendemos que a fé navega. E convidou João a acrescentar algo. O menino, com a mão suada, preencheu uma linha: Estou com medo, mas estou confiando. O navio estremeceu mais uma vez, como se se inclinasse para ler o que o menino acabara de registrar.

Quando a madrugada enfim clareou, a fúria abrandou como um cansaço. O barulho do vento virou suspiro; o mar, embora alto, parecia respeitar algum limite. Os marinheiros trocaram olhares de alívio, e alguém agradeceu em voz alta. Maria aspirou o ar salgado, sentindo que o coração saía do aperto. João, ainda abraçado a ela, notou Brisa espreguiçar-se, satisfeita por ter cumprido um turno de guarda além de sua medida.

Mais tarde, já no convés molhado, mãe e filho abriram o diário de novo. Maria escreveu: Hoje entendemos que a fé não é a ausência de medo, mas confiança apesar dele. Não nos fez invencíveis; nos fez juntos. João acrescentou: Eu quero continuar perguntando e confiando. Posso? Maria sublinhou a resposta com um sorriso: Sim. A fé não é um muro contra dúvidas; é caminho onde as dúvidas podem caminhar ao lado, sem nos prender os pés.

Decidiram, então, um pequeno pacto: todos os dias, ao nascer e ao pôr do sol, escreveriam algo no diário — uma pergunta e uma gratidão — e rezariam por quem enfrentava mares mais duros do que o deles. Maria prometeu ensinar ao filho algumas orações antigas, e João prometeu ensinar à mãe como observar estrelas com o aplicativo do navio. Brisa, alheia a pactos, miou com solenidade, como quem aprova o estatuto da tripulação.

Antes de fecharem as páginas, Maria anotou uma última linha para os dias de calmaria e de vento: Deus não nos promete mares sem ondas, mas Sua presença que ergue quando cedemos ao peso. A lembrança da tempestade não seria ferida aberta, e sim cicatriz que conta uma história: Aquele que acalma o mar também acalma o coração. João desenhou ao lado um pequeno barco e, acima dele, uma estrela. Então, recolheram tudo e ficaram olhando o horizonte refeito, onde um arco discreto de luz, quase um arco-íris, se insinuava entre as nuvens.

A viagem seguiu, como segue a vida: com dias abertos e dias fechados, com portos e esperas, com risadas e os sustos que são parte do aprender. Mas, a partir daquela noite, Maria e João sabiam que não caminhariam sozinhos pelo convés das horas. Descobriram que a fé precisa de mãos dadas, de palavras ditas e escritas, de silêncio e de canto, de coragem e de ternura. E souberam, acima de tudo, que o diário não era um mapa do tesouro enterrado; era um registro do tesouro revelado, dia após dia: Deus presente, também nas pequenas coisas, como o ronronar da Brisa ao lado do peito.

Se algum leitor um dia encontrar estas linhas, que leve consigo a lição simples que o mar ensinou naquela noite: quando a tempestade chegar — e ela chega para todos —, não tenha vergonha do medo. Segure firme, reze como souber, permita que as perguntas respirem, confie mais do que a onda grita. A fé é a coragem de continuar lançando a vela, não porque o vento obedeça à nossa vontade, mas porque a Vontade que fez o vento permanece conosco no barco. E, com isso, a viagem, que é a vida, segue possível, esperançosa e verdadeira.

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