O Atelier das Luzes Invisíveis
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O Atelier das Luzes Invisíveis

No alto de uma colina, guardado por ciprestes que sussurravam salmos ao vento, havia um Atelier diferente de todos os outros. Ali, as telas respiravam devagar, o mármore em repouso parecia ouvir, e as tintas, quando abertas, liberavam um perfume de manhã nova. As janelas filtravam a luz como vitrais, e cada feixe revelava poeiras dançantes que lembravam constelações. Era um lugar onde o invisível ensaiava se tornar visível, e onde a busca por beleza se misturava, silenciosamente, com a busca por Deus.

Sofia, menina curiosa e sonhadora, atravessava aquele limiar com os olhos brilhando. Em seus bolsos viviam pedacinhos de giz e pedrinhas com formato de estrela; em seu coração, perguntas que ela ainda não sabia pintar. A inocência que levava nos passos fazia as estátuas inclinarem-se um pouco, para escutar melhor, e as telas abrirem espaço em branco, como quem oferece o colo para uma história.

No centro do Atelier, entre pincéis que pareciam varas de incenso e potes de pigmentos que guardavam luzes invisíveis, estava Padre Miguel. Era um sacerdote de sorriso manso e mãos que abençoavam mesmo quando apenas ajeitavam um cavalete. Ele não apressava ninguém: ensinava, antes, a escutar o silêncio entre as pinceladas, como quem aprende uma oração nova, antiga como o primeiro Fiat da criação.

Sofia costumava perguntar com os olhos antes de usar a voz. E Padre Miguel respondia com delicadeza, apontando para cores, formas e ritmos. Ele dizia que a criatividade é uma porta que se abre de dentro para fora, e que, quando abrimos espaço, Deus passa como brisa, deixando no ar um traço de esperança. O Atelier, repetia ele, é o lugar onde a alma busca sentido como quem busca água, e a beleza nos devolve, gota a gota, o gosto da eternidade.

A oração é o pincel que permite a Deus desenhar dentro de nós, dizia Padre Miguel, enquanto misturava azul do céu com um pouco de ouro, como quem ensina a misturar confiança com coragem.

Mas veio um dia de tempestade. Do lado de fora, raios; do lado de dentro, o silêncio parecia pesado. Diante de uma grande tela em branco, Sofia sentiu que a fé lhe escorregava como água entre os dedos. Perguntou, com a voz trêmula e o peito apertado: Por que Deus parece tão longe quando mais preciso dEle? As tintas, por um instante, perderam o brilho; a argila rachou como terra seca. Sofia correu até Padre Miguel com os olhos alagados, pedindo um mapa para atravessar a noite.

Padre Miguel não respondeu depressa. Colocou na palma da menina um pequeno paninho e um pouco de pigmento translúcido. Não esconda as dúvidas, disse, misture-as ao que você sabe ser verdadeiro. Aproximou-a da tela e sussurrou, como quem recorda uma estrela: A fé é a certeza do que se espera e a prova do que não se vê. Depois, fez um sinal de cruz sobre o ar e acrescentou: Pinte o caminho pelo qual você deseja caminhar; Deus saberá fazer dele uma ponte.

Sofia respirou fundo. As primeiras pinceladas foram tempestade: azuis escuros, cinzas de pergunta, traços de vento. Logo, no centro da tela, ela arriscou um fio de ouro quase imperceptível, como um fio de voz que não se deixa calar. Esse fio tornou-se uma ponte de luz sobre um mar profundo; das rachaduras do cinza brotaram pequenas flores, e nelas, gotas que pareciam suas próprias lágrimas secas e transformadas. As esculturas ao redor começaram a vibrar baixinho, como um coral de pedra que entoasse um hino antigo de confiança. O Atelier, sensível como um coração, assentiu.

Quando a menina recuou para ver, havia na tela não uma resposta pronta, mas uma presença. A luz que ela tinha ousado traçar voltava para seus olhos como abraço. Padre Miguel sorriu, com a alegria serena de quem reconhece o trabalho da graça. Viu?, disse. Às vezes, a fé não aparece como uma voz alta, mas como um fio de ouro que atravessa a sombra. É silenciosa, porém teima em permanecer. O importante é não soltar esse fio. No canto do Atelier, um pequeno crucifixo recebia a luz do entardecer, e parecia que o próprio Cristo abençoava o que nascia daquela tela.

Naquela tarde, Sofia compreendeu que a fé também se aprende criando: que as perguntas, quando acolhidas, podem se tornar cores, e as lágrimas, verniz que protege o que é belo e verdadeiro. Com sua obra, ela não calou a noite; acendeu nela uma estrela. Saiu do Atelier com o passo leve, levando no coração a certeza de que Deus caminha com quem ousa misturar coragem, beleza e oração.

No alto da colina, o Atelier continuou a ser um refúgio para quem busca sentido. E a lição ficou gravada como tinta que não desbota: a fé é uma força que inspira a criar mesmo quando os ventos são contrários; ela nos ensina a encontrar beleza no mundo, a transformar adversidades em arte, e a reconhecer, nas luzes invisíveis, a presença amorosa de Deus que se revela, sempre, ao coração que espera.

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