A Colheita que Nasceu do Silêncio
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A Colheita que Nasceu do Silêncio

Na pequena vila de Santa Beira, encostada nas margens de um rio sereno, a comunidade trabalhava ao ritmo dos sinos e dos pássaros. João, um jovem agricultor, carregava no peito uma dúvida persistente. Ele semeava como quem pede desculpas à terra e recolhia como quem teme o amanhã. O rio espelhava o céu claro, mas dentro dele as águas pareciam turvas. Entre a aragem das palhas e o ranger dos carros de boi, João perguntava se Deus ainda olhava por sua roça e por seus dias.

Na sombra de um jambeiro permanecia Seu Anselmo, ancião sábio e guia na vila, homem de oração mansa e olhos que sabiam esperar. Ao ver a inquietação do rapaz, chamou-o para caminhar à margem do rio. Disse que a corrente não cessa mesmo quando a superfície parece parada, e que o lavrador bom aprende a confiar no que não vê. Em voz baixa, ensinou que a raiz bebe a água que ainda não chegou, e que o coração aprende a esperança quando permanece atento e fiel nas pequenas coisas.

Havia também Dona Lúcia, jovem senhora de passos calmos e mãos sempre preparadas para o cuidado. Ela cultivava ervas junto da capela, regava com parcimônia, partilhava pão com os vizinhos e sustentava os doentes com uma presença silenciosa. Quando as chuvas tardavam, ela não se perturbava; acendia uma vela, rezava seu terço com paciência, e sorria para quem passava, como quem diz sem palavras que o tempo de Deus amadurece mais que o relógio dos homens.

Então veio uma seca grande, cortando o canto das cigarras e rachando o solo. O rio encolheu, a terra estalou, e a plantação de João pareceu minguar. Tentado a desistir, ele pensou vender as ferramentas e fugir da própria sombra. Foi quando o ancião lhe propôs perseverar nas obras de cada dia, regando de madrugada o que restava, cobrindo a terra com palha, e oferecendo sua fadiga em oração. No domingo, levou ao altar da pequena capela sua sede e seu trabalho, e saiu fortalecido. Dona Lúcia, com paciência, emprestou cântaros, partilhou sementes, e lembrava que a confiança floresce no deserto.

Sem alarde, uma neblina funda visitou a madrugada e deitou orvalho sobre as folhas. As raízes, guardadas pelo zelo do agricultor, beberam o frescor escondido, e os brotos começaram a resistir. Depois, num fim de tarde, o vento mudou, nuvens se reuniram como rebanho que volta para casa, e a chuva caiu firme. O que parecia perdido renasceu. Os milhos ergueram bandeiras, as abóboras se insinuaram por entre as ramas, e a colheita veio não apenas suficiente, mas generosa, surpreendendo a própria vila com abundância.

João então compreendeu com o coração o que já ouvira com os ouvidos. A fé não é um atalho para escapar da seca, mas a ponte que atravessa o tempo até a promessa. Ele continuou a rezar, a trabalhar e a esperar, sabendo que Deus age também quando o céu se cala. Moral desta parábola: quem persevera na fé em meio às provações vê a graça de Deus agir no tempo oportuno; a esperança fiel rega as raízes e faz florescer até o chão mais ressequido.

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